Songdo, na Coréia do Sul, foi planejada para ser uma cidade inteligente e sustentável, baseada em tecnologia
inovação
Um conjunto de tecnologias pensado para tornar as cidades mais
inteligentes ajuda as metrópoles a vencer problemas de trânsito,
segurança e urbanismo. Entenda como
Edifícios ultramodernos cortados por carros e ônibus que voam. Robôs
que executam as tarefas domésticas. Água 100% reaproveitada. Será que
viveremos assim daqui a 30 anos? Provavelmente não. Mas diversos avanços
esperados para um futuro distante já estão em testes em cidades
planejadas, que funcionam como laboratórios de boas ideias a serem
replicadas. Um conjunto de tecnologias desenvolvido por empresas como
IBM, GE, Cisco, Philips, Oracle e Samsung tem ajudado as cidades a se
tornar mais inteligentes, com transporte eficaz e menos poluente,
edifícios verdes e energia renovável.
As metrópoles entraram na
mira das companhias de tecnologia porque se tornaram consumidoras em
potencial de uma série de soluções criadas por essas empresas para
enfrentar o caos urbano, resultado, principalmente, do crescimento
desordenado e da falta de planejamento.Metade dos habitantes do planeta,
que acaba de atingir a marca de 7 bilhões de pessoas, mora em áreas
urbanas. Estima se que em 2050 cerca de 70% da população viverá em
cidades, o que representa um aumento de 1,4 milhão de pessoas por
semana. "Esse crescimento causará uma mudança enorme nas cidades e na
expectativa dos cidadãos sobre a qualidade de serviços como saúde,
transporte, educação e gerenciamento de emergências", afirma o indiano
Guruduth Banavar, vicepresidente e chefe de tecnologia para o setor
público da IBM.
O impacto ao meio ambiente já é enorme. Os 3,5
bilhões de habitantes urbanos consomem 75% da energia disponível e
concentram 80% das emissões de gases que causam o efeito estufa. As
megacidades são responsáveis por grande parte do consumo. "Elas se
transformaram em um megaproblema, que afeta principalmente os países em
desenvolvimento, onde estão cidades como Délhi, Istambul e São Paulo",
afirma Johnny Araya Monge, prefeito de San José, na Costa Rica. Com 2,3
milhões de habitantes, o município é visto como exemplo. Após
revitalizar o centro, a administração local conseguiu fazer com que
muitos habitantes que haviam se mudado para municípios próximos
voltassem. As megalópoles impõem grandes desafios a governos e seus
habitantes. "Apenas 40 megacidades impulsionam a economia mundial. Elas
concentram um quinto da população e dois terços do PIB. São também as
que geram mais inovação", diz o arquiteto e urbanista Carlos Leite,
professor da Universidade Mackenzie e da Fundação Dom Cabral.
Ao
mesmo tempo que atraem empresas e negócios milionários, as grandes
cidades exigem atenção com as mudanças climáticas, a mobilidade urbana e
os crescentes índices de desigualdade social. A boa notícia é que a
tecnologia está aí para ajudar. Veja, a seguir, alguns exemplos bem
sucedidos de aplicação de tecnologia para melhorar o dia a dia das
cidades.
ENERGIA
EM MASDAR, SÓ ENERGIA RENOVÁVEL Uma
cidade sem carros, que gera pouco lixo e só usa energia renovável. Essa
é Masdar, um distrito econômico da cidade de Abu Dhabi, nos Emirados
Árabes, e um dos modelos de cidade laboratório em construção. Quando
estiver pronta, em 2025, Masdar deve ter uma população de até 50 mil
habitantes e 1 500 empresas. Por suas ruas circularão carrinhos
elétricos conhecidos como pods, impulsionados por trilhos magnetizados. O
projeto urbanístico de Masdar foi criado pela empresa inglesa de
arquitetura Foster and Partners, em 2006. Nos quase 20 anos de
construção deverão ser gastos mais de 20 bilhões de dólares. "Masdar é
um exemplo de cidade criada para ser sustentável", afirma Daniel Meniuk,
diretor de negócios do projeto Rio4Real, elaborado pela americana GE
para testar tecnologias inovadoras.
Masdar caminha para ser
totalmente neutra em emissões de carbono. Para isso está construindo uma
grande estação de energia solar, que ocupará uma área de 2,5
quilômetros quadrados e terá uma potência entre 100 MW e 125 MW,
comparável com uma usina hidrelétrica de pequeno porte. A primeira parte
está quase pronta. Além da solar, a cidade usará energia eólica, com
grandes áreas de moinhos instalados em terra e no mar, somando mais 30
MW. Parte do lixo produzido deverá ser queimada, para a produção de
energia geotérmica. Também há planos para a construção de uma usina de
hidrogênio. "Masdar é um laboratório que explora todas as possibilidades
para tornar uma cidade inteligente e sustentável. Mas é um experimento
caro, que poucos serão capazes de replicar", diz a socióloga
especializada em globalização e migrações Saskia Sassen, professora da
Universidade Columbia, nos Estados Unidos, e autora do livro Sociologia
da Globalização.
CONSTRUÇÃO
EM SONGDO, EDIFÍCIOS ECOLÓGICOS Grandes
janelas que permitem a entrada de luz natural, água e lixo reciclados,
reúso de água da chuva, sistemas avançados de entretenimento e recursos
de telepresença. Esses são alguns dos benefícios que atraíram os
primeiros moradores de Songdo, distrito econômico de Incheon, na Coreia
do Sul, um projeto liderado pela Cisco. O primeiro bloco de 2 600
apartamentos dos 80 mil disponíveis na nova cidade foi muito disputado
no lançamento, há cinco anos, com uma procura oito vezes superior à
oferta. Songdo é um município planejado, resultado de um investimento de
40 bilhões de dólares. Terá até 75 mil habitantes quando estiver
pronto, em 2015. Todos os edifícios terão a certificação Leed,
referência mundial em sustentabilidade. Monitores de tela plana estarão
disponíveis em todas as residências e os moradores poderão se conectar a
serviços públicos e privados.
A Cisco planeja distribuir pela
cidade mais de 10 mil unidades de seu sistema de telepresença nos
próximos sete anos. Eles permitirão que moradores e empresas tenham
serviços de ponta em áreas como segurança e aprendizagem virtual . Além
de construções ecológicas, Songdo oferecerá aos habitantes áreas verdes
que somam 40% de seus 6 quilômetros quadrados de espaço total, além de
26 quilômetros de ciclovias. Densamente povoada, será um exemplo de
cidade compacta, com áreas para lojas, espaços culturais e escritórios.
"Songdo é um exemplo bemsucedido de cidade inteligente, mas é um modelo
caro, para pessoas de alto poder aquisitivo", afirma Saskia Sassen.
"É preciso entender a cidade" Socióloga
especializada em globalização, a holandesa Saskia Sassen diz que cada
cidade deve buscar uma forma própria de se aperfeiçoar. Abaixo, trechos
da entrevista a INFO.
Como tornar uma cidade inteligente? Há um modelo a seguir? Não.
Deveríamos aproveitar o que já existe. Isso significa trabalhar com as
particularidades e os especialistas locais. Não é suficiente comprar um
conjunto pronto de sistemas, como tem acontecido com as novas cidades.
Quais as principais dificuldades? Os
sistemas inteligentes estão sendo feitos para cidades construídas a
partir do zero. É preciso mobilizar a base de conhecimento local para
entender qual é a melhor forma de usar os avanços tecnológicos. As
cidades precisam ainda encontrar modelos para se tornar inteligentes a
um preço razoável e de forma que os cidadãos se sintam mobilizados a
participar.
O uso político pode retardar o processo? O
risco político está no fato de que as grandes empresas que dominam o
negócio das cidades inteligentes estão muito afiadas para vender seus
sistemas. Elas podem persuadir os políticos a adotar seus modelos caros,
mas não muito úteis. O grande feito de Songdo é fazer com que todos os
edifícios sejam sustentáveis. Mas existem outros bons exemplos de
construções inteligentes no mundo. Um deles é o Smart Work Center, em
Amsterdã, na Holanda. Também liderado pela Cisco, o projeto criou
espaços de trabalho para pequenas companhias, que, sozinhas, não teriam
capital suficiente para investir em tecnologias avançadas. "Elas se
juntam em grupos de dez ou 20 empresas e se instalam em um edifício fora
do centro da cidade. Além de compartilhar a área, dividem a
infraestrutura", afirma Wim Elfrink, vice presidente de soluções
emergentes e Chief Globalization Officer da Cisco. Esse foi um dos
fatores que ajudaram Amsterdã a reduzir as emissões de gás carbônico em
40% nos últimos dez anos.
TRANSPORTE
EM SINGAPURA, PEDÁGIO URBANO O
trânsito é um dos maiores problemas das megacidades. Em Singapura,
cidade que se tornou referência de projeto inteligente, a solução foi o
pedágio urbano, adotado em 1975. Desde 1998 todos os carros são
obrigados a usar um dispositivo fixado no vidro para a cobrança
automática. O valor a pagar depende dos pontos de entrada e saída do
centro e varia entre 1 e 3,50 dólares para automóveis. O pedágio vigora
de segunda a sexta feira, das 2 horas da manhã até as 17 horas. "O
sistema é muito simples de usar", afirma Emilio Umeoka, vice presidente
sênior da consultoria Juniper Networks.
Umeoka viveu com a
família em Singapura por 4 anos e meio, quando era presidente da divisão
Ásia/Pacífico da Microsoft. "Singapura tem uma política muito forte de
atração de estrangeiros e aposta na tecnologia", afirma Umeoka, que hoje
vive nos Estados Unidos, na região do Vale do Silício. Entre as apostas
tecnológicas de Singapura estão as redes Wi Fi e a informatização de
serviços para diminuir a burocracia. Também modelo para a cobrança de
pedágio urbano, Estocolmo, a capital da Suécia, usa um sistema
inteligente de visão computacional em que câmeras leem a placa dos
carros para aplicar a tarifa. O valor varia de 1,50 a 3 dólares. O
pedágio é cobrado entre 6h30 e 18h30, de segunda a sexta feira. Outra
preocupação em relação ao transporte nas cidades inteligentes é o
estímulo à troca de carros a gasolina ou diesel por híbridos e
elétricos.
Aí o destaque é Barcelona, considerada por um estudo
recente do instituto de pesquisas IDC como a segunda cidade mais
inteligente da Espanha, atrás de Málaga. O projeto Live, uma parceria da
prefeitura com organizações públicas e privadas, espalhou 234 pontos de
carregamento de carros elétricos pela cidade. Usando o Google Maps pelo
seu celular ou em aplicações para Android ou iOS, o usuário identifica o
posto mais próximo. Quem faz a opção por carros elétricos recebe
estímulos, como subsídio do governo para a compra dos veículos, vagas
reservadas em estacionamento e parcerias com as empresas de transporte
público. O exemplo de Barcelona mostra que é possível identificar
oportunidades locais de aplicação de tecnologia. "Algumas das melhores
soluções surgiram nas próprias comunidades", diz Joan Clos, diretor
executivo do programa de habitação das Nações Unidas (UN Habitat) e ex
prefeito de Barcelona. "Nem sempre dá para replicar ideias e tecnologias
de uma cidade para outra, mas sempre é possível aprender com os outros
para escolher a solução mais adequada para seus desafios."
SEGURANÇA
EM MADRI, CÂMERAS CONTAM PESSOAS Segurança
é outro megadesafio para a pauta de prioridades das grandes cidades.
Mesmo que a realidade seja diferente, experiências vividas por nações
desenvolvidas podem jogar luz num problema cada vez mais sério. Depois
de passarem por atentados terroristas de grandes proporções, Nova York e
Madri tornaram se referência em segurança urbana. Em Madri, câmeras
acompanham o vai e vem das pessoas nas ruas e são capazes de identificar
aglomerações incomuns, emitindo um alarme. "Usamos uma tecnologia que
já existia, a de câmeras de vigilância, e integramos com as informações
que vêm do GPS de todos os carros e rádios dos policiais", diz Pablo
Escudero, diretor geral do departamento de polícia de Madri. Segundo
Escudero, o próximo passo será usar imagens de lojas e joalherias para
acompanhar áreas com maior incidência de assaltos.
Uma
quantidade gigantesca de imagens é gerada pelas câmeras que monitoram
cidades. Agora, o desafio dos especialistas em segurança está em separar
automaticamente o que pode ser usado como referência para ações
futuras. Com a aplicação de algoritmos capazes de produzir modelos de
prognóstico, policiais podem ser enviados a locais de conflitos antes de
acontecerem. Se é comum dois grupos de torcedores se enfrentarem a
caminho de um jogo de futebol, por exemplo, um estudo dessa movimentação
pode auxiliar na tomada de medidas preventivas.
EMERGÊNCIA
NO RIO DE JANEIRO, ALERTA CONTRA CHUVAS Um
temporal pode transformar a cidade do Rio de Janeiro em caos urbano.
Foi o que aconteceu em abril deste ano, quando uma forte chuva que durou
9 horas despejou sobre a cidade 274 milímetros de água, volume
normalmente registrado em um mês muito chuvoso de verão. Como preparar a
cidade para evitar mortes e desabamentos?
O temporal de abril
foi o primeiro teste extremo do Centro de Operações do Rio (COR),
inaugurado há quase um ano. No local estão reunidas 30 instituições
públicas e privadas que prestam serviços ao cidadão, como órgãos de
trânsito e empresas de energia elétrica e de limpeza urbana. Um grande
painel formado por 80 aparelhos de TV de 46 polegadas exibe um panorama
da cidade em tempo real. No centro, um mapa mostra de forma precisa cada
ponto onde acontece uma obra e até o trajeto de caminhões de lixo. No
lado direito do mapa, se alternam as imagens das câmeras de controle do
trânsito. E na extrema direita, três quadros indicam as condições
meteorológicas. O COR é fruto de uma parceria da Prefeitura do Rio de
Janeiro com a IBM, a Cisco e a Samsung. A IBM desenvolveu um sistema
meteorológico personalizado para o município, que leva em conta suas
características topográficas peculiares e é capaz de fornecer
informações detalhadas para cada área de um quilômetro quadrado num
período de 36 horas (as 12 anteriores e as próximas 24).
Essa
previsão é fundamental para que todas as instituições públicas montem
esquemas de emergência para situações como a do temporal registrado em
abril. No mês de novembro, o Rio de Janeiro fez sua primeira grande
simulação de emergência. O incidente era uma inundação fictícia na Praça
da Bandeira, tradicional ponto de enchentes, entre o centro e a zona
norte da cidade. "O teste mostrou que muitos detalhes ainda precisam ser
melhorados, como a comunicação com os cidadãos", afirma Guruduth
Banavar, da IBM, que se tornou uma espécie de conselheiro para
emergências da prefeitura. "O Rio de Janeiro tem uma rotina de eventos
extremos ligados a chuvas tropicais, com deslizamentos e enchentes que
ocorrem há 450 anos. Tínhamos apenas uma ação reativa", diz o prefeito
Eduardo Paes. "Com o COR, introduzimos a gestão de risco, com a
preparação e a prevenção desses eventos."
RECURSOS NATURAIS
EM ANTOFOGASTA, ÁGUA DO MAR PARA BEBER Se
o Rio de Janeiro sofre com o excesso de chuva, Antofagasta, na região
do deserto do Atacama, no Chile, é vítima de sua falta, o que faz com
que a cidade tenha pouca água doce. "Em Antofagasta não chove nunca",
diz a prefeita Marcela Hernando. "A pouca água que temos viaja 400
quilômetros desde a Cordilheira dos Andes e ainda precisa de tratamento
para a retirada do arsênio." O caminho mais simples encontrado foi
tornar a água do mar potável.
Do total de água da cidade, apenas
5% são utilizados pelos 400 mil habitantes. Os outros 95% vão para a
indústria de mineração de cobre. Antofogasta está usando tecnologia para
dessalinizar a água do Oceano Pacífico e distribuí la à população.
Consórcios com empresas de outros países mais experientes na resolução
do problema, como a Espanha, permitiram instalar estações de
dessalinização e produzir pelo menos 26 mil metros cúbicos de água
potável por dia, com capacidade para dobrar nos próximos anos. É um
volume pequeno ainda, mas dentro do padrão mínimo recomendado pelas
Nações Unidas. As tecnologias usadas na dessalinização já permitem levar
água potável a pelo menos 300 milhões de pessoas no mundo diariamente. O
exemplo de Antofagasta mostra que em muitos casos é possível aproveitar
experiências e adaptá las. "As cidades vão colaborar umas com as
outras.
Mas ao mesmo tempo competirão entre si", afirma Virginia
Rometty, futura CEO mundial da IBM, que assume o cargo em 1º de
janeiro. Ginni, como é conhecida, esteve no Rio de Janeiro em novembro,
onde participou do evento SmarterCities, realizado pela empresa. O mesmo
desafio apontado por Ginni para as cidades, de competir e colaborar ao
mesmo tempo, será enfrentado pelas empresas de tecnologia nos projetos
de cidades inteligentes. Elas serão parceiras em alguns municípios e
competidoras em outros. A torcida é para que todos saiam ganhando.